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  • João Carlos Cochlar

A metamorfose dos metais

Foto: Renato Mangolin

naipe de metais da Orquestra Sinfônica Brasileira

Em artigo anterior, vimos que uma das principais lições dos Concertos para a Juventude tem a ver com a estrutura da orquestra sinfônica. De forma descontraída, os ouvintes são apresentados a cada uma das partes que compõem o todo da orquestra. Como se lhe fizéssemos um raio-x.


Mas no último concerto de julho, ao invés de raio-x, colocamos uma lupa em uma das famílias da orquestra. Junto da percussão, a família dos metais ganhou protagonismo. Dedicando-lhe um programa inteiro, a OSB enfatizou não apenas os diferentes instrumentos da família dos metais, mas também abordou obras compostas em um intervalo de quinhentos anos. Apesar de tamanha defasagem temporal, o timbre dos metais mantinha a coesão entre as diferentes obras.


Por que se diz que colocamos uma lupa? Da orquestra composta por dezenas de músicos, entraram no palco apenas oito para executar a primeira obra. Quatro em cada extremidade do palco para executar a “Canzon Septimi Toni”, do italiano Giovanni Gabriele, de 1597. Todos da família dos metais. Era uma parte da orquestra a mostrar que, por si só, já guarda riquezas imensas.


Além de aprender melhor sobre o som dos metais, o maestro Wagner Polistchuk foi além. Fez deste concerto uma aula, interagindo constantemente com a plateia. Entre cada composição, transmitiu algum ensinamento, dos quais destaco três.


O primeiro tem a ver com o papel dos grupos de metais no século XVI, nos tempos dos compositores Giovanni Gabrieli, Tielman Susato e Henri Tomasi, que constavam do programa. Registra-se, segundo o regente, o desenvolvimento da música estereofônica na realização sonora praticada nas igrejas.


Foto: Renato Mangolin

Orquestra Sinfônica Brasileira no Theatro Municipal do Rio de Janeiro

E o que é a música estereofônica? No século XVI, era uma estratégia acústica em que grupos de metais eram dispersos em diferentes câmaras na igreja. Ao invés de executar notas idênticas, complementavam-se reciprocamente. Por executarem som a partir de regiões diferentes de uma dada sala de celebrações, produziam um efeito semelhante ao que experimentamos ao colocar fones de ouvido. O que se ouve de um lado se complementa com o outro, mas de forma puramente acústica ao invés de digital.

A segunda lição do maestro refere-se às mudanças pelas quais os instrumentos passaram na sua mecânica. Alguns dos que compõem a família dos metais são o trompete, a trompa, o trombone, o eufônio (ou bombardino) e a tuba. Com exceção do trombone, todos os demais instrumentos da família passaram por intensas modernizações, afetando também na sua “anatomia”. Ferramentas como pistões, chaves e válvulas se agregaram à mecânica desses instrumentos.


O terceiro, enfim, tem a ver com a relevância dos metais na formação de conjuntos Brasil afora. Pequenas orquestras locais, que são usinas de talentos, notadamente na música popular. Há bandas sinfônicas, bandas de metais ou subconjuntos destas formações, de onde surgiram imensos talentos como Raul de Souza, Moacir Santos, Ed Maciel e, da geração atual, apenas para citar alguns, Jessé Sadoc e Nailor “Proveta”. Músicos que muito orgulham o Brasil.


Mas há ainda uma outra lição que, apesar de ouvida, não foi dita. Foi tocada. A noite iniciou com obras renascentistas, passou pela extraordinária obra sinfônica “Introduction and Allegro”, do estadunidense Robert Beadell, premiada em 1950, e encerrou com música brasileira. Obras de Gilberto Gil, Luiz Gonzaga e o inédito “Às Quarentonas”, do compositor Gilson Santos, foram executadas com a erudição sinfônica, abrindo-se ainda sessões de improvisos. Um deles executado virtuosamente por Jessé Sadoc, que fez sofisticado arranjo do hino “Asa Branca”.


O que se vê, portanto, nesse concerto? Uma família de instrumentos capaz de manter coeso um conjunto de obras que abrange extenso intervalo temporal. Que muito mudou e se modernizou. E que comporta desde o formalismo erudito ao acaso do improviso. Os grupos de metais, além de agregar ecletismo de estilos, regiões e épocas, são também a cara do Brasil.

Acompanhe tudo sobre a orquestra que toca o Brasil

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