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  • João Carlos Cochlar

O paradoxo dos concursos

O concerto do último dia 18 de maio foi ocasião de reencontro do jovem pianista coreano Yeontaek Oh com a Orquestra Sinfônica Brasileira. Primeiro colocado do concurso do Festival Internacional de Piano do Rio de Janeiro de 2022, que terá nova edição neste ano, Oh retorna ao Brasil para enfrentar um repertório complexo e diversificado. Obras russas, alemãs, uma espanhola e um bis brasileiro, cada qual um universo distinto e particular. Revelaram outra vez a proficiência do jovem pianista premiado ao público brasileiro.


Foto: Andrea Nestrea

Este deve ser o objetivo dos concursos de piano ou de qualquer instrumento: encontrar, desenvolver e promover jovens talentos. Todos que nele se aventuram, na busca de um reconhecimento oficial do seu esforço, precisam se sentir estimulados a aperfeiçoar sua música o máximo que puderem.


É tarefa árdua. Aprimorar-se na música requer enorme disciplina, pois é preciso ler, repetir, decorar, ajustar, escolher dinâmicas, dedilhados, andamentos, intensidade do toque e um sem-número de variáveis a perder de vista. Nas sutilezas é que se distinguem as colocações em concursos. E, claro, as grandes performances.

São diversas as virtudes no piano de Yeontaek Oh. Além do repertório variado, uma execução clara de cada obra, sem titubeios. Tanto a proficiência como a boa escolha do repertório envolveram os ouvintes. Seja pela familiaridade dos arabescos sobre o tema “Danúbio Azul”, de Strauss, tocado à exaustão no cinema, e do concerto para piano nº. 1 de Tchaikovsky. Ou pela elegância dos temas de Granados e Beethoven, com sutileza e detalhes impecáveis.


No concurso, Yeontaek Oh dividiu a primeira colocação com a chinesa Xiaohui Yang, que vencera ainda no voto popular. Diante de apresentações tão virtuosas, o júri sentiu as tradicionais angústias dos concursos. Como ranquear prodígios? Como ter critérios de avaliação objetivos sobre algo que toca nosso subjetivo? Como ser justo? A avaliação é técnica ou arbitrária? Ou ambas? Responsabilidades que, por exemplo, juízes enfrentam diariamente. Ou, pelo menos, deveriam.


A influência da subjetividade dos julgadores é inevitável. Seja no direito, quem dirá na música. Há um exemplo interessante no passado. Registra-se que, em 1960, na condição de jurado do hoje quase centenário Concurso Internacional Chopin de Piano, o ícone Arthur Rubinstein havia discordado tão veementemente da opinião dos demais jurados sobre um candidato que decidiu lhe dar um prêmio paralelo, mesmo ficando em décimo lugar. Dois anos depois, este décimo lugar venceria um dos mais difíceis concursos do mundo, a Competição Leventritt.[1] O faro de Rubinstein foi quase premonitório.


Concursos instrumentais costumam ter inúmeros desafios. Por exemplo, a quantidade de prêmios disponível pode não refletir a qualidade dos competidores. A competição pode se dar entre os inscritos ou contra um certo padrão performático, e é possível que ninguém vença. No lugar da contemplação da música, há estresse.

Possivelmente haverá vencedores. Certamente haverá vencidos. Os candidatos serão “hierarquizados” conforme os prêmios que conquistarem. Às vezes porque o estilo de um caiu melhor no gosto dos jurados que outros.


Estímulo ou frustração? Ou simultâneos?


Apesar disso tudo, concursos foram causa da projeção de grandes ícones. Revelaram talentos extraordinários. Desde Martha Argerich e Nelson Freire aos contemporâneos Fabio Martino, Cristian Budu e, por que não, o próprio Yeontaek Oh. Todos com passagem pela Orquestra Sinfônica Brasileira. Os concursos fizeram dos competidores que os levaram a sério melhores. Transformaram o talento em dedicação e, portanto, consolidaram vocação.


Foto: Andrea Nestrea

Concursos atingem seu objetivo se, ao final, o que importa não é a classificação final, que coloca um concorrente “melhor” do que o outro. Mas sim se o candidato passou a ver a si próprio melhor do que era antes.


Eis aí o paradoxo.


[1] Carl Battaglia. Piano competitions: talent hunt or sport?. Saturday Review. Aug 25, 1962.

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