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João Carlos Cochlar

Pixinguinha: o erudito popular

Os concertos dos últimos dias 6 e 7 de maio foram dedicados a Pixinguinha, um dos maiores símbolos da música brasileira. Em formação reduzida, a OSB recebeu novas companhias. Instrumentos como o saxofone, o cavaco, o violão e a bateria, que não fazem parte de orquestra sinfônica, compuseram o conjunto. No repertório, havia obras suas e de outros. Todas arranjadas pelo próprio Pixinguinha.


Foto: Andrea Nestrea

A OSB trouxe à memória do público um pouco do que o Brasil produziu de melhor em sua música.


Pixinguinha não foi um só. Foi muitos. Seja nas muitas formas em que realizou sua música, seja nos muitos símbolos em que se tornou na nossa história. Flautista, saxofonista, compositor, maestro, arranjador, líder. Um gênio à imagem e semelhança do Brasil real. Nesses concertos didáticos, com apresentação e canto de Alfredo Del-Penho, ressaltam-se duas dimensões do universo Pixinguinha: de um lado, o arranjador erudito; de outro, o músico popular.


Além de multi-instrumentista e compositor, foi hábil arranjador. Pixinguinha era capaz de criar muitas formas de executar uma mesma composição. Aprimorá-la sem comprometer sua identidade. Viu-se a beleza que ele era capaz de extrair de uma orquestra.


Os arranjos de Pixinguinha não eram apenas sons deslumbrantes. Como disse Alfredo Del-Penho, era possível também ver a música de Pixinguinha. Nessas peças, a orquestra era capaz de simular sons de animais como o frango, o sapo e o marreco. Eram parte da música. Além de ainda abrir espaço para algo incomum na realidade sinfônica hoje: a improvisação. Inventar no momento e revelar o talento individual dos membros do grupo.


Mas apesar de erudito, sua raiz é popular. Pixinguinha não surgiu dos salões nobres ou cortes imperiais. Partiu do Brasil real. Segundo o pesquisador André Diniz[1], Pixinguinha começou carreira nas choperias da Lapa – uma febre da boemia carioca no fim do século XIX. Aprendeu flauta estimulado por seu pai, que comandava rodas de choro. Seu virtuosismo se aprimorou rapidamente e cedo se tornou um jovem veterano da noite carioca.


Após a pandemia da gripe espanhola em 1920, que vitimara inclusive o presidente eleito Rodrigues Alves, Pixinguinha recebeu um convite do dono do Cine Palais, na Cinelândia: criar um grupo musical que ocupasse sua sala de espera esvaziada pela pandemia. Aceitou e formou assim os Oito Batutas. Aglomeravam multidões e tinham admiradores notáveis, como o imortal Rui Barbosa.


Formava-se ali uma geração genial de talentos da periferia, encabeçada por Pixinguinha, que passou a ocupar espaços nobres da cidade. Não passou ilesa a uma elite reacionária. Críticas chegaram ao ápice quando um dos admiradores dos Oito Batutas, o mecenas Arnaldo Guinle, lhes patrocinou uma turnê na França. Dizia-se: “Mas isso é desmoralização! Como é que o Ministro do Exterior não toma providências?”.[2] A turnê, contudo, foi um sucesso estrondoso.

Como relata Joaquim Falcão, da Academia Brasileira de Letras, nem mesmo o fã Rui Barbosa escapou do viés europeu e norte-americano para definir o que é a “boa” cultura. Exemplo disso foi quando o presidente Hermes da Fonseca, que venceu Rui numa das mais acirradas eleições da República Velha, promoveu uma recepção de gala no Palácio do Catete cujo programa musical continha obras de Liszt, Gottshalk e... Chiquinha Gonzaga, outro ícone da nossa música. O “Corta Jaca”, de Chiquinha Gonzaga, foi interpretado ao violão pela própria primeira-dama, Nair de Teffé.[3]


Rui Barbosa não se conteve. Ao saber que o “Corta-Jaca” foi executado “com todas as honras de Wagner”, subiu à tribuna do Senado e referiu-se ao choro como “a mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba.”


Quando Pixinguinha e seu choro retornaram ao Brasil com, digamos, “honras francesas”, tornou-se marca da nossa música. Como é até hoje. Logo ao chegar, foi uma das atrações principais da grande celebração do centenário da independência, promovida pelo presidente Epitácio Pessoa. Para quem, inclusive, Rui também perdeu a eleição presidencial.


Foto: Andrea Nestrea


O sociólogo Gilberto Freyre, ao ouvir Pixinguinha, dizia que “sentimos o grande Brasil que cresce meio tapado pelo Brasil oficial e postiço e ridículo de mulatos a quererem ser helenos e de caboclos interessados em parecer europeus e norte-americanos; e todos bestamente a ver as coisas do Brasil através do pince-nez de bacharéis afrancesados.”[4] Mudamos?


Com seu mundo de ritmos, estilos e sons, Pixinguinha criou uma arte genuinamente brasileira. Tornou-se assim uns dos mais autênticos e arrojados artistas populares de nossa história.


Paulo Aragão, responsável pela adaptação do hino “Carinhoso”, ouvido nos concertos, disse que Pixinguinha foi o mediador entre mundos musicais diferentes. Brasileiros e estrangeiros. Privilégio nosso de conviver com a música de Pixinguinha ao som acurado da OSB.


[1] DINIZ, André. Pixinguinha: o genio e o tempo. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2011, p. 42 [2]DINIZ, André. Op. cit., p. 76. [3] FALCÃO, Joaquim. Rui Barbosa e Carmen Miranda. In: CASTRO NEVES, José Roberto. Música e Direito. Rio de Janeiro. Ed. Nova Fronteira, 2022, p. 367-373 [4] DINIZ, Andre. Op. cit., p. 89

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