top of page
  • João Carlos Cochlar

Sinestesia: o que é e modos de usar

A “Série Mundo”, dedicada à música e cultura de outros países, prosseguiu no seu terceiro concerto do ano. A Itália foi a protagonista da vez. Pioneira na música, consolidou o italiano como idioma oficial das partituras, adotado até hoje, por conta do seu vanguardismo no Renascimento. Além de ser um país de enorme riqueza paisagística, gastronômica e multicultural.


Foto: Renato Mangolin

Além da homenagem à Itália, os concertos dos dias 13 e 14 de maio foram ocasião de estreias. A OSB realizou a primeira execução pública da obra “Os jardins das praias de Santos”, do jovem maestro brasileiro João Rocha. O violinista italiano Domenico Nordio realizou sua primeira colaboração com a OSB como solista do Concerto em Lá menor, do conterrâneo Alfredo Casella. Tudo sob a batuta do venezuelano Gonzalo Hidalgo, que encerrou com a Sinfonia Italiana de Mendelssohn, estreada há exatos 190 anos, em 13 de maio de 1833. Resultado da inspiração de um jovem Mendelssohn de 20 anos, que viajara à Itália e se encantou.


Mas como poderia a música, por si só, remeter a uma ideia de Itália, evocando imagens, cores e sabores no ouvinte? Em outras palavras, como é possível a música disparar outras sensações para além da audição?


Chamamos isso de sinestesia. Palavra difícil, mas de conceito interessante. É o fenômeno que embaralha nossos sentidos. É quando alguém vê uma imagem, mas a associa a um sabor. Ouve algo, mas sente um cheiro. Encosta em algo, mas dispara emoções, como euforia ou angústia.


Pode soar surreal para alguns, mas é evidente para outros. Os sinestetas são as pessoas que, de fato, sentem gosto de algo quando escutam um som. Ou associam uma cor a um odor, por exemplo. Estima-se que pelo menos uma a cada 20 mil pessoas[1] têm inata essa condição que se manifesta em pelo menos uma entre sessenta combinações possíveis.[2]


A sinestesia, contudo, também pode ser induzida de forma mais branda. Sobretudo nas artes. Na poesia, é um recurso literário. Desde o verso clássico Casimiro de Abreu, que se referia às falas sentidas, que os olhos falavam,[3] até os contemporâneos. Personificando sinestesias, disse o poeta Felipe Medeiros: “A vida a tornar-se mundo / O mundo engolir o mundo / O mundo tornar-se mudo / O mundo tornar-se surdo / O mundo tornar-se enxuto / O mundo continuar mundo / E tudo por um capricho”[4].


A mistura de sensações também ocorre na música. João Rocha recria sensações dos jardins das praias de Santos através do som, chamando inclusive sua composição de “painel sinfônico”. Casella e Mendelssohn, ainda que involuntariamente, evocaram ritmos e melodias da imensidão de gêneros populares da Itália, que engloba a tarantela, o cancioneiro siciliano, alpino, sardenho e tantos outros. E, junto com eles, toda a riqueza cultural e paisagística dessas regiões.


Mas nada impede de se despertar outras experiências no ouvinte. Lembranças ou sensações trazidas pelo inesperado. Algo que o compositor não previa. Afinal, se o som nada significa, a tudo ele pode se referenciar. A dinâmica das flautas e violinos na peça de João Rocha, por exemplo, poderia trazer uma ideia de vento assoprando para uns. O tímpano, de tempestade. Há ainda os que não farão associação nenhuma. E tudo vale. Não há regra, e o impacto da música no ouvinte será sempre insondável.


Foto: Renato Mangolin

A música não se limita à audição. Vai além, pois tem o poder de estimular todos os sentidos. O compositor hábil vai além da técnica e vê a música como representação do mundo. Trabalha o som como algo não apenas para ouvir, mas também para ver, tocar, inspirar e degustar.


Ouvir, portanto, é apenas o primeiro passo.


[1] UCLA Health. Ask the Doctors. People with synesthesia experience the world with multiple senses. November 30, 2022 [2] WARD, Jamie; SIMMER, Julia APUD Day S. (2005). Some demographic and socio-cultural aspects of synesthesia. In Robertson L. C., Sagiv N. (Eds.), Synesthesia: Perspectives from cognitive neuroscience. Oxford University Press. [3] “Segredo” [4] MEDEIROS, Felipe. Ode Súfera. In: Em terra de harmonia: educação pela terra. Rio de Janeiro: Ed. Libertinagem, 2023, pp. 104-105.

Acompanhe tudo sobre a orquestra que toca o Brasil

bottom of page